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07/31/2024 | Press release | Distributed by Public on 07/31/2024 13:42

Fortalecimento da governança corporativa das empresas estatais: Lições do Brasil

As empresas estatais federais desempenham um papel importante na economia brasileira, representando um quarto do investimento público do país, ou aproximadamente 6,2% do PIB em 2023.

Embora possam gerar benefícios sociais e econômicos, a gestão eficaz dessas empresas pode ser desafiadora devido à maior burocracia estatal em relação ao setor privado e à necessidade de manter um equilíbrio entre os objetivos sociais e econômicos. Além disso, as estatais estão sujeitas a problemas de governança que podem afetar sua eficiência, transparência e desempenho.

Foi por isso que em anos recentes o Brasil implementou uma série de ações para fortalecer a sua governança, incluindo uma nova legislação em 2016 - a Lei das Estatais, em um momento no qual as empresas enfrentavam importantes desafios de gestão. Também implementou um Índice de Governança para estatais federais, uma métrica desenvolvida pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST) para acompanhar e mensurar o desempenho das empresas estatais federais em relação às boas práticas de governança corporativa.

Qual foi o impacto dessas reformas até o momento? Neste blog, explicaremos quais foram as medidas tomadas e discutiremos os resultados obtidos através de uma avaliação que foi publicada recentemente pelo BID intitulada "Monitorando a governança das empresas estatais: Avaliando o impacto das reformas de governança corporativa no Brasil" (originalmente publicada em inglês).

As empresas estatais no Brasil

As empresas estatais são entidades geralmente estabelecidas para atender a objetivos específicos de políticas públicas, como garantir o acesso universal a serviços básicos ou promover o desenvolvimento regional. De um lado, elas podem ofertar bens e serviços essenciais que o mercado privado não consegue oferecer eficientemente devido a falhas de mercado. Por outro, podem gerenciar ativos estratégicos que garantem segurança econômica e geram receitas importantes, além de atender objetivos sociais do governo.

No Brasil, as estatais possuem um papel significativo na economia, sendo de propriedade total ou parcial do governo. Atualmente, há 123 empresas públicas federais, divididas em 44 de controle direto e 79 de controle indireto pela União[1].

Quando totalmente controlada pelo governo, o Estado detém 100% das ações ou cotas da empresa, exercendo controle direto sobre suas operações, gestão e estratégias. Já em estatais de propriedade parcial, o governo detém parte das ações ou cotas, enquanto o restante é de propriedade privada, seja de indivíduos ou de outras empresas que possuem direito de voto nas decisões da empresa e têm participação nos lucros. Neste caso o controle do governo é indireto, já que pode influenciar certas decisões da empresa.

Problemas de governança nas estatais

A governança pode ser compreendida como mecanismos e princípios que instituições possuem para auxiliar a tomada de decisões e administrar as relações com a sociedade, alinhado a boas práticas de gestão e normas éticas.

Problemas de governança nas empresas estatais derivam de dois principais tipos: de governança corporativa, que se refere ao conjunto de práticas, políticas e estruturas que regulam a maneira como as empresas são dirigidas, administradas e controladas, e de governança fiscal, definido como o conjunto de práticas e processos destinados a garantir a transparência, legalidade e eficiência na gestão dos recursos financeiros e fiscais das empresas. A figura abaixo sintetiza os principais desafios em relação aos problemas de governança para as estatais.

Figura 1 - Problemas de governança nas empresas estatais

A Lei das Estatais e o IG-SEST

Dado os problemas que podem ocorrer devido a falhas de governança nas empresas estatais, identificou-se no Brasil a necessidade de aprimorar a gestão e o controle dessas empresas através da implementação de boas práticas de governança e maior transparência.

Neste contexto, foi promulgada em junho de 2016 a Lei das Estatais no Brasil[2]. A legislação representou um marco importante na regulamentação das empresas estatais no país, e embora a Lei englobe toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, foram estabelecidos requisitos mais rigorosos para empresas com receita bruta anual acima de R$ 90 milhões, conforme apresentado na Figura 2.

Figura 2 - Critérios para exigência de requisitos de governança para empresas estatais

Além de requisitos extras para empresas de maior receita, foram desenvolvidos mecanismos de maior controle para empresas estatais a nível federal. No mesmo ano de criação da Lei das Estatais, a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST) implementou um índice de governança, o IG-SEST, criado para monitorar empresas controladas pelo governo federal e verificar a implementação de boas práticas especificadas pela Lei das Estatais.

O índice é composto por diversos indicadores e critérios, abordando transparência, responsabilidade corporativa, e outros aspectos cruciais para a governança empresarial. Os resultados do IG-SEST oferecem uma visão das atuais práticas de governança nas estatais e possibilitam às empresas identificar e implementar medidas para reforçar sua governança e elevar seu desempenho no índice.

A avaliação é realizada periodicamente e os resultados são divulgados publicamente, desempenhando um papel crucial como instrumento de prestação de contas e transparência para o público interessado nos melhores resultados das empresas estatais, como o governo, acionistas, investidores e a sociedade em geral.

Avaliação das reformas de governança

Em nosso estudo, testamos a hipótese de que essas reformas mitigaram os problemas de governança, resultando em maior desempenho financeiro e operacional para as empresas estatais.

Segundo o estudo, não há indícios de que estatais sujeitas somente a regras mais rígidas tiveram melhor desempenho financeiro e operacional que estatais parcialmente sujeitas aos novos requisitos de governança (aquelas com receita bruta anual menor que R$ 90 milhões)[3].

No entanto há evidências de que a combinação de mudanças institucionais e de monitoramento (o IG-SEST juntamente com a Lei das Estatais) possivelmente aumentou o desempenho financeiro das estatais federais em comparação com outras estatais estaduais e municipais (não sujeitas ao índice) com características semelhantes, definidas através da metodologia Propensity Score Matching (PSM). Isso mostra que a Lei das Estatais e o IG-SEST agiram de maneira complementar para aumentar a adesão e a conformidade com os novos requisitos de governança.

Uma questão apontada no trabalho é o possível papel das reformas de governança fiscal e seu efeito complementar sobre o desempenho das estatais. Tanto a Lei das Estatais quanto o IG-SEST visavam à criação de regras e à melhoria do monitoramento das empresas estatais, mas nenhuma delas eliminou a possível discricionariedade do governo em relação aos recursos das empresas estatais.

Assim, o trabalho sugere que as reformas de governança corporativa que combinam regras e monitoramento podem ser uma forma de melhorar o desempenho das empresas públicas, mas também abre a possibilidade de avaliar como outras reformas, incluindo mudanças nas reformas de governança fiscal, podem gerar resultados mais fortes e persistentes.

Conclusão

A Lei das Estatais foi o resultado dos avanços institucionais do Brasil em tópicos relacionados à governança e à gestão pública e representa um importante marco na busca pela transparência, eficiência e responsabilidade no âmbito das empresas estatais. Ao estabelecer diretrizes claras de governança, a legislação visa mitigar riscos de corrupção e assegurar a gestão responsável dos recursos públicos.

A eficácia da Lei depende não apenas da sua promulgação, mas também da implementação efetiva de suas disposições e da vigilância contínua por parte da sociedade e dos órgãos de controle. Nesse contexto, é fundamental que os gestores públicos, a sociedade civil e demais partes interessadas estejam engajados no monitoramento e na avaliação constante da aplicação dessa legislação, a fim de garantir que as empresas estatais desempenhem seu papel de forma eficiente, transparente e em consonância com os interesses da população.

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Leitura adicional:

[1] Fonte: Panorama das Estatais Federais.

[2] Lei nº 13.303/2016 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm.

[3] O desempenho financeiro foi medido através do Returno of Assets (ROA) (Lucro Líquido/Total Ativos), Margem líquida (Lucro Líquido/Receita Bruta) e o operacional através da Produtividade do trabalho (Receita Bruta/Total de Funcionários).