Banco de Portugal

06/02/2023 | Press release | Distributed by Public on 06/02/2023 04:30

Artigo do Administrador Hélder Rosalino no Expresso: Os lucros (ou prejuízos) dos bancos centrais como resultado natural da sua missão

Nos últimos meses, vários bancos centrais das maiores economias do mundo reportaram prejuízos significativos ou alertaram para a possibilidade de verificarem perdas avultadas nos próximos anos. O Banco Nacional da Suíça registou em 2022 um prejuízo de 135 mil milhões de euros, a maior perda em 116 anos de história, equivalente a mais de 15% do seu PIB. O Banco Central da Austrália anunciou perdas de 36,7 mil milhões de dólares australianos, que acabaram com as reservas de capital do banco central. E a Reserva Federal norte-americana antecipa que poderá ter resultados negativos nos próximos 3 a 4 anos. Na área do euro, vários bancos centrais apresentaram prejuízos em 2022 e o Banco Central Europeu (BCE) e outros bancos centrais têm vindo a alertar para o fim do longo período de lucros.

Em 2022, o Banco de Portugal registou, ainda, um resultado líquido positivo de 297 milhões de euros, que possibilitou a distribuição de dividendos ao Estado de 238 milhões de euros. Adicionando o imposto sobre o rendimento corrente, foram entregues ao Estado 371 milhões de euros, além dos 4.066 milhões de euros entregues entre 2017 e 2021.

É inquestionável que a atuação do BCE (e dos bancos centrais por todo o mundo), através da política monetária, tem sido fundamental na superação das crises financeiras dos últimos anos, na gestão dos efeitos económicos da crise pandémica e, agora, no combate a um nível de inflação a que não se assistia desde os anos 80.

Essa atuação tem, no entanto, deixado uma marca bem visível nas demonstrações financeiras dos bancos centrais. Desde 2008, com as sucessivas decisões de política monetária expansionista do Conselho do BCE, o balanço do Banco de Portugal aumentou mais de 5 vezes, atingindo cerca de 220 mil milhões de euros no final de 2021 (equivalente ao PIB português desse ano). Neste longo período, registaram-se resultados nunca atingidos, com o máximo a ser alcançado em 2018, em que o resultado antes de impostos acendeu a 1.165 milhões de euros.

Estes valores, absolutamente excecionais, foram gerados num contexto de detenção de um volume muito significativo de ativos com rentabilidades positivas - em particular, títulos de dívida pública - e de passivos de política monetária com taxas de juro nulas ou negativas.

Porém, este contexto de resultados excecionais alterou-se, admitindo-se que o Banco de Portugal possa vir a ter resultados antes de provisões e impostos negativos já em 2023. Esta situação decorre da rápida alteração da política monetária conduzida pelo BCE, desde meados de 2022, em resposta às pressões inflacionistas, que se traduziu num ciclo de subida acelerada das taxas diretoras sem precedente em décadas.

Neste contexto, o principal motivo para a pressão sobre os resultados dos bancos centrais são as taxas de juros mais altas que pagam sobre os passivos (de curto prazo), que não são compensadas por um aumento equivalente na receita dos ativos (sobretudo, dívida pública de longo prazo, com taxas de juro muito baixas). É devido a esta situação que os bancos centrais poderão vir a apresentar prejuízos significativos nos próximos anos.

A subida das taxas de juro é necessária para combater os efeitos negativos da inflação alta. O benefício desta política para a economia e para o cidadão é manifestamente superior à vantagem da distribuição de dividendos pelos bancos centrais.

Porém, a geração e a acumulação de perdas por parte dos bancos centrais colocam, inegavelmente, desafios, pelos potenciais impactos na sua credibilidade e, em última análise, na sua independência. Mas não coloca problemas à continuação da sua atividade. Sinaliza, sim, a sua natureza ímpar no quadro institucional da sociedade.

Por isso, é muito importante explicar que o objetivo dos bancos centrais não é gerar lucros, ainda que devam ser geridos com rigor e transparência. Ao contrário dos bancos comerciais, os bancos centrais não concedem empréstimos nem recebem depósitos do público. Os bancos centrais atuam com objetivos de interesse público, traduzidos no mandato que lhes foi atribuído de garantir a estabilidade de preços e a estabilidade financeira. Os seus resultados são consequência direta da implementação de políticas que visam alcançar estes objetivos.

Ciente da importância da sua missão e dos riscos financeiros que esta acarreta, o BCE deu orientações aos bancos centrais nacionais no sentido de reforçarem as suas reservas financeiras, algo que o Banco de Portugal tinha definido como objetivo estratégico ainda antes desta orientação.

O período de lucros elevados permitiu criar reservas financeiras relevantes, que poderão ser agora usadas para fazer face a eventuais perdas. O princípio da independência financeira dos bancos centrais nacionais implica que estejam sempre suficientemente capitalizados, o que tem sido acautelado no Eurosistema. Em momentos de incerteza, todas as medidas de prudência sobre a conservação do capital e que permitam reforçar financeiramente as instituições são cruciais. Tem sido essa a política do Banco de Portugal, que tem, atualmente, provisões para riscos gerais (destinadas a cobrir resultados de exploração negativos) de cerca de 4.000 milhões de euros.

Neste quadro, existe a convicção de que as reservas criadas nos últimos anos serão suficientes para cobrir eventuais prejuízos nos anos que se avizinham. As perdas deverão diminuir à medida que os rendimentos obtidos em obrigações e nos empréstimos concedidos aos bancos aumentem. No médio prazo, os bancos centrais voltarão a ter lucros.