Ministry of Foreign Affairs of the Federative Republic of Brazil

11/13/2024 | Press release | Distributed by Public on 11/13/2024 14:19

Discurso do Ministro Mauro Vieira em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados

Excelentíssimo Senhor Presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, Deputado Lucas Redecker (PSDB-RS),

Excelentíssimos Senhores Vice-Presidentes da CREDN, Deputado General Girão (PL/RN), Deputado Márcio Marinho (REP/BA) e Deputado Florentino Neto (PT/PI),

Excelentíssimo Senhor Deputado Arlindo Chinaglia (PT/SP), ex-presidente da Câmara dos Deputados, na pessoa de quem cumprimento todos os deputados presentes nesta sessão,

Presidente,

É uma grande satisfação estar mais uma vez aqui, atendendo ao convite para esta sessão, esta discussão com os membros da Comissão. Lamento não ter podido vir em ocasião anterior, em razão de reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a crise no Oriente Médio, em que eu não poderia deixar de estar, logo depois de várias mortes, inclusive de cidadãos brasileiros e inclusive de uma criança praticamente recém-nascida, uma menina de 14 meses de idade, que faleceu em um ataque no sul de Beirute, na véspera da partida do Líbano com sua família, em um dos voos de repatriação que o governo brasileiro está executando. Era uma situação muito grave. Peço desculpas mais uma vez a este colegiado não ter estado presente nesse dia.

Queria dizer que este diálogo contínuo e construtivo com a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, e com o conjunto do Congresso, é condição indispensável para a condução de uma política externa democrática. Agradeço a oportunidade de me dirigir às senhoras e senhores Deputados.

Senhor Presidente,

Diferentemente das ocasiões anteriores, e creio que esta seja a quinta vez neste mandato do Presidente Lula em que estou presente nesta Comissão, não vou fazer um balanço geral da política externa. Eu quero aproveitar o tempo que me foi concedido - agradecendo a compreensão da Comissão pela necessidade de regressar rapidamente ao Rio de Janeiro, para compromissos com o G20 - para tratar especificamente das relações entre o Brasil e a Venezuela.

Nas diferentes conversas com membros desta Câmara dos Deputados, e do Senado Federal, são frequentes os testemunhos que dão conta da importância das nossas relações com os países vizinhos para o desenvolvimento econômico e social do nosso país.

Ao trazerem perspectivas setoriais, regionais e, por muitas vezes, fronteiriças, os parlamentares que nos procuram têm muita clareza dos benefícios e dos desafios da integração sul-americana para as diferentes regiões do Brasil, e sabem apontar os aspectos em que precisamos melhorar.

As relações com a Venezuela não são uma exceção nesse quadro maior.

Basta mencionar os impactos da Venezuela nos estados do Arco Norte do Brasil, do Amapá ao Acre, especialmente Roraima e Amazonas, tanto em termos econômico-comerciais quanto pelo acolhimento de centenas de milhares de imigrantes.

Ou lembrar dos desafios compartilhados nas áreas de saúde, proteção dos povos indígenas, meio ambiente e combate a ilícitos transnacionais, que somente podem ser equacionados de maneira conjunta.

Esse foco de nossa política externa na América do Sul obedece a princípios e a interesses nacionais que não são novos, nem recentes.

Ainda no começo do século XX, foi por meio do diálogo e da negociação - e não do isolamento - que o Itamaraty, sob a liderança do Barão do Rio Branco, definiu fronteiras e incorporou centenas de milhares de quilômetros quadrados ao nosso território nacional.

As relações pacíficas e respeitosas com nossos doze vizinhos - sendo dez fronteiriços - são um patrimônio da política externa, de que o povo brasileiro, com muito direito, se orgulha.

Essa orientação contribuiu e seguirá contribuindo para a paz e a estabilidade regional. Uma das nossas conquistas nessa trajetória foi a consolidação da América do Sul como uma zona de paz e cooperação em um mundo de crescentes conflitos.

Senhoras e Senhores Deputados,

Permitam-me uma contextualização histórica das nossas relações com a Venezuela.

Brasil e Venezuela mantêm relações diplomáticas desde 1830, portanto são 195 anos. Compartilhamos 2.200 quilômetros de fronteiras terrestres. É a nossa maior fronteira terrestre depois da Bolívia e do Peru.

No entanto, por muito tempo, inclusive boa parte do século XX, o Brasil esteve mais orientado para a região do Prata, enquanto a Venezuela se voltava para o Caribe e para a América Central. Ao longo do século XIX, tivemos de dar muita atenção às Questões Platinas, que incluíram quatro conflitos armados nos quais o Brasil independente se envolveu entre 1825 e 1870. Com a Proclamação da República, tivemos de dar atenção à estabilidade interna, enquanto a Venezuela, que já havia descoberto reservas petrolíferas no final do Século XIX, passou a ter na exportação do produto, a partir da década de 1920, sua principal atividade econômica. A Amazônia, então pouco conectada a outras regiões de ambos os países, era uma barreira física para a aproximação bilateral.

Com a crise do petróleo, na década de 70, Brasil e Venezuela, apesar das diferenças ideológicas e políticas - na época o Brasil era uma ditadura militar e, na Venezuela havia uma democracia plena e estável -, passaram a aproximar-se progressivamente. Avançamos na integração rodoviária e na cooperação no setor de energia. Houve visitas presidenciais recíprocas. Em novembro de 1977 - isso é curioso que tenha acontecido só nesse ano -, ocorreu a primeira visita de um Presidente venezuelano ao Brasil. Na ocasião, o presidente Carlos Andrés Pérez declarou que o Brasil era uma "nação sul-americana fundamental e chave na ação integradora da região". Em 1987, o Presidente
José Sarney esteve na Hidrelétrica de Gúri, na Venezuela, em sua visita àquele país, hidrelétrica esta construída por empresas brasileiras.

A partir da nossa redemocratização, a aproximação com a Venezuela continuou a responder aos interesses nacionais de manutenção da estabilidade regional, de aprofundamento do comércio e de proteção dos cidadãos brasileiros. Mas também passou a responder ao imperativo constitucional de busca da integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina.

Em 1992, os Presidentes Fernando Collor e Carlos Andrés Pérez criaram o mecanismo de consultas de alto nível. Em 1994, foi assinado o "Protocolo de La Guzmania", durante a visita de estado do Presidente Itamar Franco a Caracas, prevendo a integração física e energética entre os dois países. Nos governos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, foram concluídos o "Linhão de Gúri" e a pavimentação da BR-174, ligando Manaus a Caracas.

No primeiro mandato do Presidente Lula, iniciamos a construção de uma estrutura de governança e coordenação regional, exemplificada pela UNASUL e pela CELAC, o que continuou no governo da Presidenta Dilma Rousseff.

No auge da integração sul-americana, no período compreendido entre 2002 e 2015, os países da região tinham divergências políticas, mas sabiam que a união traria benefícios concretos para todos. Os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Álvaro Uribe, da Colômbia, por exemplo, tinham orientações políticas muito diferentes, mas eram capazes de sentar-se à mesa para discutir projetos de interesse comum. Ambos, inclusive, tinham ótima relação com o presidente Lula.

Isso tudo, obviamente, mudou.

Presidente, Deputado Redecker,

O Brasil historicamente esteve presente e pronto para contribuir para a Venezuela superar seus impasses políticos.

Logo no início do primeiro mandato do presidente Lula, em janeiro de 2003, por ocasião da crise que se seguiu à tentativa de golpe de Estado contra o presidente Hugo Chávez, em abril de 2002, formamos um Grupo de Amigos da Venezuela. Esse golpe de Estado, por sinal, colocou na Presidência um empresário, dirigente da Federação de Câmaras de Comércio, chamado Pedro Carmona, que foi reconhecido em menos de 24h por Estados Unidos e Espanha. Porém, o golpe foi desbaratado em menos de 48h por forte reação popular, culminando no retorno de Chávez ao poder.

Este grupo que formamos não era um "grupo de amigos do presidente Chávez". Tinha a participação também dos Estados Unidos e da Espanha, que apoiaram o golpe, e de outros países críticos ao governo venezuelano, na Europa e na região. Esse grupo de amigos da Venezuela criado por iniciativa do Brasil, e pessoal do Presidente Lula, foi fundamental para a organização do referendo revocatório de 2004, que confirmou o presidente Hugo Chávez na presidência venezuelana.

Em 2013, após o falecimento do presidente Chávez, a crise política interna se agravou, e o Brasil novamente se prontificou a facilitar o diálogo. A UNASUL, que teve no Presidente Lula um de seus idealizadores, estava plenamente funcional naquele momento, e serviu de foro adequado para a conciliação.

Em 2014, o governo e a oposicionista Mesa da Unidade Democrática, liderada então por Leopoldo López, chegaram a acordo pelo qual reiteraram seu compromisso em rejeitar a violência.

O cenário político continuou marcado por tensões nos anos seguintes. Na época em que fui Ministro das Relações Exteriores da Presidente Dilma Rousseff, dei seguimento à participação do Brasil nesse grupo criado pela UNASUL. Estive algumas vezes em Caracas. Mantínhamos encontros com todo o espectro político venezuelano, inclusive as altas autoridades do governo venezuelano. Como resultado desse esforço, conseguimos viabilizar as eleições parlamentares de dezembro de 2015, eleições essas cujos resultados foram amplamente favoráveis à oposição e reconhecidos pelo governo venezuelano.

Mas o Brasil se afastou justamente num dos momentos mais críticos da história recente da Venezuela.

Estou me referindo aos desentendimentos a partir de 2017. Naquele ano, após 53 dias de protestos violentos, o presidente Maduro convocou a eleição de uma Assembleia Constituinte, que terminou por existir de forma paralela à Assembleia Nacional, então dominada pela oposição. Em seguida, houve ainda o boicote, pela oposição, das eleições presidenciais de 2018 e, finalmente, a autoproclamação do então presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como presidente interino da Venezuela em 2019. Ao longo desses anos, o governo brasileiro tinha outro direcionamento político e estimulou apenas um dos lados, em detrimento do diálogo.

A desintegração da UNASUL e a formação de arranjos como o Grupo de Lima também não contribuíram para o diálogo. As sanções unilaterais adotadas pelos Estados Unidos, pelo Canadá e pela União Europeia depois das eleições de 2018 agravaram ainda mais a situação do país.

Nesse contexto, foi muito negativo o fechamento da embaixada e dos três consulados que o Brasil mantinha na Venezuela. O Estado brasileiro, com isso, deixou a comunidade brasileira presente na Venezuela abandonada à própria sorte. Tivemos grandes prejuízos, em todas as áreas: nosso fluxo comercial, por exemplo, que tinha chegado a 6 bilhões de dólares em 2012, com amplo superávit para o Brasil, caiu mais de 90% entre 2012 e 2019. Em 2023, foi apenas de 1,5 bilhão de dólares e, neste ano, 2024, de janeiro a outubro, foi de 1,3 bilhão de dólares. Perdemos, ainda, acesso a fontes de informação confiáveis na Venezuela, e ficamos sem capacidade de influência no país. Outros países passaram a ocupar o espaço comercial e político que o governo brasileiro deixou vazio.

Portanto, a decisão do Presidente Lula de reabrir nossa embaixada na Venezuela logo nos primeiros dias deste seu terceiro mandato foi mais do que acertada. A interlocução é fundamental para participar dos processos, seguir a situação política local, contribuir para a estabilidade regional e defender os interesses brasileiros.

Foi graças a esses canais reabertos que o Brasil contribuiu para desarmar tensões entre a Venezuela e a Guiana sobre o diferendo da região do Essequibo no ano passado.

Atendendo a um chamado do Presidente Lula, lançado durante a Cúpula dos chefes de Estado do MERCOSUL em dezembro do ano passado, no Rio de Janeiro, os presidentes Maduro e Ali, da Guiana, se reuniram em dezembro de 2023, em São Vicente e Granadinas, sob a facilitação do primeiro-ministro daquele país, que exercia então a presidência da CELAC, e ambos os chefes de Estado, da Venezuela e da Guiana, concordaram, na Declaração de Argyle, em não recorrer à força para resolver o contencioso bilateral. Comprometeram-se a manter negociações com vistas a encontrar solução diplomática permanente. Hoje, o perfil desse contencioso está mais baixo, mas ainda demanda acompanhamento e atenção. Mantemos nossa firme oposição à interferência de atores extrarregionais em
apoio a qualquer de um dos dois estados. Precisamos de diplomacia nesta questão, e não de armas. Aliás, temos
aqui inspiração da ZOPACAS, que é o acrônimo para Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, cujo princípio é
justamente o de manter o oceano Atlântico Sul livre de rivalidades geopolíticas estranhas à nossa região.

O Brasil foi também testemunha e garante, na figura do Assessor Especial do Presidente da República, Embaixador Celso Amorim, dos Acordos de Barbados, firmados em outubro do ano passado, 2023. Esses acordos possibilitaram a realização das eleições presidenciais que tiveram lugar no último dia 28 de julho, e previam a libertação de oposicionistas presos, a revisão de inabilitações e, sobretudo, o levantamento, ainda que parcial, das sanções impostas pelos Estados Unidos.

As eleições de 28 de julho transcorreram em clima de normalidade, sem maiores incidentes. No dia das eleições, ambos os lados manifestaram confiança na vitória e no sistema eletrônico de votação.

O Assessor Especial do Presidente Lula, Embaixador Celso Amorim, esteve em Caracas por quatro dias (tendo
chegado antes do dia da eleição, 28 de julho, prolongou sua estada por mais três dias) e constatou esse clima de normalidade no dia 28 de julho. Mas, como ele mesmo afirmou em audiência a esta Comissão, creio que há duas semanas, começou a receber relatos de problemas na noite do dia 28 ainda.

Os resultados preliminares anunciados pelo Conselho Nacional Eleitoral entre 23h e meia noite apontaram vitória do candidato presidente Maduro com 51,2% dos votos, frente ao candidato de oposição, Edmundo González, com 44,2% dos votos.

Esses números não coincidiam com a apuração paralela realizada pela oposição, baseada nas atas que eram afixadas em portas de cada sessão eleitoral, que indicava vitória de Edmundo González com cerca de 60% dos votos.

Após a proclamação dos resultados, houve protestos em todo o país, com casos de confrontos e repressão pelas forças de segurança. Multiplicaram-se denúncias de prisões de lideranças políticas, ativistas, mesários, fiscais partidários e manifestantes. O próprio governo venezuelano estimou em mais de 2 mil o número de detidos em protestos.

No dia 22 de agosto, o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela proferiu sentença que confirmou a reeleição de Nicolás Maduro para o mandato que se iniciará em janeiro de 2025, até 2031. O mandato na Venezuela é de
seis anos.

Vinte e nove países deram declarações indicando não reconhecer o resultado das eleições. Alguns países, como Argentina, Costa Rica, Equador, Estados Unidos, Panamá, Peru e Uruguai reconheceram Edmundo González como vencedor das eleições. A União Europeia não reconheceu a vitória do líder oposicionista e fez críticas ao transcurso do dia das eleições.

Por outro lado, 54 países felicitaram Maduro por sua reeleição.

Ainda no final de julho, o governo venezuelano anunciou a expulsão de Caracas de todos os diplomatas de Argentina, Chile, Costa Rica, Panamá, Peru, República Dominicana e Uruguai, e retirou também seus diplomatas desses mesmos postos. Para a maior parte desses países, a expulsão foi uma resposta à publicação de declaração conjunta sobre as eleições na Venezuela, que pedia a "revisão completa dos resultados na presença de observadores eleitorais independentes". Desses países que assinaram essa declaração - Argentina, Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai -, três desses signatários já não mantinham embaixadas residentes em Caracas (Equador, Guatemala e Paraguai).

Esse fato, essa partida de todos os diplomatas desses países que eu acabo de mencionar, levou o Brasil a assumir a custódia das sedes diplomáticas e da defesa dos interesses da Argentina e do Peru na Venezuela. Isso em atenção a pedido tanto do governo argentino como do governo peruano, para que o Brasil representasse os interesses desses países e estendesse a assistência consular aos nacionais desses países na Venezuela. Somos responsáveis também pelos seis venezuelanos de oposição que se encontram asilados na residência da Embaixada da Argentina em Caracas.

Permaneceremos com a custódia das embaixadas e a defesa dos interesses da Argentina e do Peru na Venezuela, até que seja indicado um país que, de comum acordo com o estado peruano e argentino, seja também aceitável para o governo venezuelano.

Na semana de 2 de setembro, o Ministério Público da Venezuela solicitou ordem de apreensão de Edmundo González. Com temor de que fosse preso, González faltou às convocações da promotoria e deixou de comparecer ao Tribunal Supremo de Justiça para assinar os documentos finais do pleito eleitoral que reconheciam o resultado divulgado pelo CNE. No dia 9 de setembro, deixou a Venezuela e se exilou na Espanha.

Atualmente, temos buscado manter contato com todas as forças políticas venezuelanas, tanto do governo quanto da oposição. Estive com o Ministro das Relações Exteriores Yvan Gil à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, no mês de setembro, quando insisti que o governo venezuelano concedesse salvo-conduto aos asilados na embaixada argentina em Caracas, sob nossa proteção. Falamos também ao telefone na última segunda-feira, dia 11 de novembro.

Senhor Presidente,

A posição do Brasil obedece a três princípios muito importantes: a defesa da democracia, a não ingerência em assuntos internos e a resolução pacífica de controvérsias.

Acompanhamos esse processo na Venezuela não apenas porque o Brasil assumiu um compromisso como garante dos Acordos de Barbados e fomos observadores eleitorais do pleito de 28 de julho, mas também porque a Venezuela é nosso vizinho, grande e muito importante.

A solução, porém, precisa ser construída pelos próprios venezuelanos, e não imposta de fora, com mais sanções e isolamento. Isso, nós já vimos que não funciona. Não podemos repetir os erros que cometemos na época da autoproclamação de Guaidó como presidente.

Esse é um tema que é candente na opinião pública, e que continuará a demandar, do Brasil, capacidade de interlocução e de negociação com todas as partes, incluindo os atores políticos venezuelanos e parceiros regionais.

O Brasil tem mantido coordenação estreita com a Colômbia e com o México, com quem publicamos, em 1º de agosto, declaração conjunta favorecendo uma solução negociada, após a conversa mantida entre os Presidentes Lula, Gustavo Petro, da Colômbia, e o então presidente do México, Andrés Manuel López-Obrador. Em 8 de agosto, publicamos uma segunda declaração conjunta, após reunião que mantive com os chanceleres desses dois países.

Em nota conjunta com a Colômbia no dia 3 de setembro, registramos preocupação com a ordem de apreensão emitida pela Justiça da Venezuela contra Edmundo González no dia anterior. Ressaltamos que essa medida afetava gravemente os compromissos assumidos pelo governo venezuelano no âmbito dos Acordos de Barbados, em que o governo e a oposição assumiram um compromisso com a democracia e com a promoção de uma cultura de tolerância e convivência.

O momento agora é delicado e exige da nossa diplomacia profissionalismo, parcimônia e cautela.

De todo modo, o Brasil tem como prática, tradicionalmente, reconhecer Estados, e não governos. Essa é uma posição inspirada, por sinal, na tradição diplomática latino-americana, que foi consolidada na chamada "Doutrina Estrada", formulada nos anos 30 pelo então chanceler mexicano, que busca evitar a politização do reconhecimento ou não de governos estrangeiros. Ainda que as circunstâncias imponham uma inevitável diminuição do dinamismo do relacionamento bilateral, isso não significa de forma alguma que o Brasil deva romper relações ou algo dessa natureza com a Venezuela.

Pelo contrário, diálogo e negociação - e não isolamento -, como bem ensinou o Barão do Rio Branco, são a chave para a construção de qualquer solução pacífica e duradoura na Venezuela.

Eu gostaria só de reafirmar que a Doutrina Estrada é baseada nos princípios de não intervenção, resolução pacífica de controvérsias e autodeterminação dos povos, aliás, que são os princípios consagrados no artigo 4º da Constituição Federal.

Senhor Presidente, senhores Deputados,

Embora não seja o tema primeiro que motivou meu comparecimento a esta Casa hoje, não poderia deixar, sobretudo após sua introdução, em que destacou este assunto, de tecer comentários sobre a gravíssima situação por que passa o Oriente Médio.

Em 7 de outubro, completou-se um ano desde os ataques terroristas perpetrados pelo Hamas contra Israel, que resultaram na morte de 1163 pessoas e na tomada de 251 como reféns, das quais se estima que cerca de cem estejam ainda mantidas em cativeiro.

Há um ano, o Brasil condenou firmemente o ataque do Hamas e mobilizou sua diplomacia, inclusive na presidência brasileira do Conselho de Segurança da ONU, a fim de trabalhar por um cessar-fogo imediato ou, ao menos, tentar conter a previsível escalada do conflito.

Infelizmente, as escolhas feitas pelo governo israelense e por seus principais rivais regionais desencadearam o mais amplo e letal conflito da História recente do Oriente Médio. Seu término, lamentavelmente, parece ainda distante.
Todo país tem o direito de se defender, desde que dentro das normas do direito internacional. Não é isso que Israel está fazendo. O que se assiste é a uma reação desproporcional, que revela a busca de ganhos geopolíticos concretos ue nada têm a ver com a mera defesa nacional. Como disse o Presidente Lula em seu discurso de abertura da 79ª Assembleia Geral da ONU, em setembro passado, o direito de defesa não pode se transformar em direito de vingança. O que começou como ação de terroristas contra civis israelenses inocentes tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino, com indícios plausíveis de constituir a prática de genocídio, segundo decisão preliminar da Corte Internacional de Justiça seguida por muitos países.

Depois de um ano de incessantes bombardeios, mais de 43 mil pessoas foram massacradas em Gaza, 70% dos quais mulheres e crianças. Hoje, Gaza é um lugar inabitável. 66% dos edifícios foram destruídos ou danificados, 85% de suas escolas foram destruídas e 96% da população passa fome, incluindo 50 mil crianças em situação de desnutrição aguda.

Na Cisjordânia, Israel passou a empregar cada vez mais a truculência utilizada em Gaza, com número cada vez maior de assentamentos ilegais, condenados pelo direito internacional e pela comunidade internacional.

O Brasil alertava, desde o princípio, contra o risco de alastramento regional do conflito. Infelizmente, esse triste prognóstico se confirmou, apesar dos insistentes apelos da comunidade internacional.

A partir de 17 de setembro, intensificaram-se as hostilidades entre Israel e o Hezbollah. Explosões de milhares de "pagers" e "walkie-talkies" no Líbano provocaram a morte de 37 pessoas, incluindo civis e menores de idade, e mais de 3 mil e quatrocentos feridos. A ação foi condenada por especialistas em direitos humanos da ONU, sendo tratada por alguns como terrorismo de Estado. Essa afirmação foi inclusive retomada por autoridades americanas que exerceram importantes funções no governo Obama, na CIA e como secretário de Defesa.

Em seguida, o recrudescimento das tensões ao longo da fronteira entre Israel e o Líbano - a chamada "Linha Azul" - evoluiu para uma guerra aberta. Desde então, têm sido frequentes os bombardeios israelenses sobre a capital, Beirute. Em 30 de setembro, Israel deu início a invasão terrestre do Líbano. Hoje, já se contam 3.189 mortos no país, incluindo dois adolescentes brasileiros, inclusive, como mencionei no início, um bebê de 14 meses que embarcaria no dia seguinte num dos voos de repatriação para o Brasil. Além disso, há 14.079 feridos até o último dado recebido, e cerca de 1,2 milhão de pessoas deslocadas.

Senhor Presidente,

O Líbano abriga a maior e mais importante comunidade brasileira no Oriente Médio, concentrada na Grande Beirute e na região do Vale do Bekaa, regiões que têm sido alvo de bombardeios israelenses. Em agosto deste ano, orientamos nossa comunidade no Líbano a deixar o país por meios próprios o quanto antes, pelo aeroporto de Beirute. A partir de setembro, abrimos amplo processo de consulta aos brasileiros interessados, residentes no Líbano, em serem retirados do Líbano. Segundo nossa Embaixada em Beirute, mais de 3500 pessoas se interessaram na repatriação.

Como resultado desse processo, o Presidente Lula ordenou o início da Operação chamada de Raízes do Cedro, em ação conjunta do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Defesa e da Força Aérea Brasileira. Até o momento, já se realizaram dez voos, que repatriaram quase 2100 pessoas, incluindo 505 crianças - entre elas, 73 de colo -, 211 idosos e quinze gestantes, acompanhados de seus familiares, além de alguns animais de estimação. O avião destinado a realizar o 11º voo partiu do Rio de Janeiro nessa segunda-feira (11/11), e deve retornar ao Brasil nesta madrugada, com mais cerca de 220 ou 230 repatriados.

No contexto da defesa permanente dos interesses das comunidades brasileiras no exterior, o Ministério das Relações Exteriores seguirá implementando a decisão do governo brasileiro de repatriar brasileiros do Líbano para o Brasil, sempre com critérios objetivos e transparentes na priorização dos passageiros, de acordo com a legislação brasileira.

Senhor Presidente,

Esse conflito atual é muito mais grave do que os anteriores porque envolve outros atores regionais. De todos os cenários possíveis, o mais aterrador seria o da eclosão de um conflito direto e aberto entre Israel e o Irã.

No dia 1º de abril, Israel lançou um ataque ao complexo da embaixada iraniana em Damasco, capital da Síria, matando 16 pessoas, inclusive o comandante da Força Quds no Líbano e na Síria. Em 13 de abril, o Irã retaliou - pela primeira vez na História - com ataques de 300 mísseis e drones contra Israel. Esse ataque foi precedido de aviso prévio pelo Irã aos EUA, tendo sido quase totalmente interceptado por Israel e parceiros.

No dia 31 de julho, Ismail Haniyeh, líder político do Hamas, foi assassinado em explosão no local onde estava hospedado em Teerã, depois de ter participado da cerimônia de posse do novo presidente iraniano. Masoud Pezeshkian. Em 27 de setembro, Israel bombardeou o presumido quartel-general do Hezbollah no Líbano, matando o Secretário-Geral do Hezbollah, Hasan Nasrallah.

Em 1º de outubro, o Irã lançou o segundo ataque a mísseis contra Israel, em alegada retaliação pela morte de Haniyeh e Nasrallah e pelos demais ataques e atentados perpetrados por Israel na Síria, no Líbano e na própria capital do Irã. A retaliação israelense, em 26 de outubro, felizmente se ateve apenas a alvos estratégicos, sem impacto significativo em termos de perdas de vidas.

Em face dessa violência, a diplomacia brasileira busca fazer o possível para desestimular o alastramento da guerra. Contamos com o apoio de Vossas Excelências nessa missão, ditada pela Constituição Federal, de defender a paz, a solução pacífica de conflitos e o Direito Internacional.

Senhor presidente,

Gostaria, por fim, de fazer menção, brevemente, à realização da Cúpula presidencial do G20 que, na presidência brasileira, se realizará na próxima semana, na cidade do Rio de Janeiro. Regresso ainda hoje ao Rio de Janeiro, para participação nas reuniões ministeriais prévias à Cúpula, que por sua vez se realizará, como já mencionei, nos dias 18 e 19, segunda e terça-feira.

O Presidente Lula receberá, na ocasião, chefes de Estado e de governo de 36 países, entre membros plenos, convidados oficiais e convidados apenas para a Cúpula de Líderes, além de 17 organismos internacionais. Será uma oportunidade, inclusive, para avançar interesses brasileiros nos contatos com os principais líderes mundiais.

As três prioridades estabelecidas pelo Presidente Lula para a presidência brasileira do G20 foram a inclusão social e o combate à fome e à pobreza; as transições energéticas e o desenvolvimento sustentável; e a reforma da governança global. Cada uma dessas prioridades gerou uma iniciativa específica: a primeira, a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza; a segunda, a Mobilização Global contra a Mudança do Clima; e a terceira, o Chamado à Ação sobre a Reforma da Governança Global.

Essas iniciativas têm recebido a adesão de inúmeros países, e não são limitadas aos membros do G20. Além disso, é preciso mencionar, como resultado da presidência brasileira, as deliberações dos diferentes Grupos de Trabalho do G20 e a mobilização da sociedade civil nos vários Grupos de Engajamento. Tudo isso contribui para que a presidência brasileira alcance, na Cúpula do Rio de Janeiro, um desfecho bem-sucedido, com resultados abrangentes.

Eram esses os temas que eu gostaria de, inicialmente, citar e fico à disposição de Vossas Excelências para receber perguntas e dúvidas que queiram apresentar.

Muito obrigado.