Banco de Portugal

11/15/2024 | Press release | Distributed by Public on 11/15/2024 07:06

Artigo da Administradora Francisca Guedes de Oliveira no Jornal Critério: 'O Banco de Portugal e a vida de todos nós'

O Banco de Portugal (BdP) pode parecer, para muitos, uma instituição distante, um poder público longínquo que se ocupa de temas complexos e difíceis, que dizem pouco respeito à vida corrente de cada um. Nada mais longe da verdade.

Vou tentar dar-vos pelo menos quatro exemplos de funções e ações do BdP que têm um impacto direto no dia-a-dia e nas decisões importantes que vamos tomando ao longo da vida.

O primeiro tem que ver com as taxas de juro. As taxas de juro que os Bancos praticam na relação com os seus clientes são essencialmente de duas naturezas: as taxas de juro passivas, (que remuneram os depósitos que fazemos nos Bancos), e as taxas de juro ativas (as que os Bancos nos cobram pelos empréstimos que contraímos). Ambas têm um impacto enorme na gestão dos nossos orçamentos e nas decisões que tomamos. Decidir se devemos ou podemos pedir um empréstimo para comprar casa, ou um carro, ou realizar uma qualquer outra despesa, depende evidentemente da taxa de juro que conseguimos contratar com o Banco. Da mesma forma, quando temos um contrato de crédito à habitação e a taxa de juro sobe ou desce, vamos sentir um impacto na prestação a pagar e consequentemente no nosso orçamento familiar. As taxas de juro passivas podem ser decisivas no momento de decidir se vamos consumir mais ou poupar para o futuro. E se vamos poupar em depósitos nos Bancos ou escolher outra forma de investimento. Se deixar o nosso dinheiro no Banco não render nada (uma taxa de juro próxima de zero) se calhar não é uma boa opção manter todas as nossas poupanças em depósitos.

E como é que se determinam estas taxas de juro? O Banco Central Europeu, através do seu Governing Council define taxas de juro de referência para a zona Euro. Estas não são as taxas que os Bancos utilizam na relação com os seus clientes, mas estão intimamente relacionadas. Uma subida das taxas de juro de referência terá necessariamente como consequência uma subida das taxas de juro de mercado (ativas e passivas embora não necessariamente ao mesmo ritmo).

O Governing Council é constituído pelos Governadores dos Bancos Centrais Nacionais de cada país da zona Euro. Ou seja, o Governador do BdP pertence a este órgão e tem uma palavra importante a dizer na decisão de subir ou descer as taxas de juro.

Depois de muitos anos mantidas em níveis de zero ou próximo de zero, as taxas de juro de referência começaram a subir em julho de 2022 e foram subindo progressivamente até 2024. Apenas em junho de 2024 as taxas tornam a descer e desde então já tiveram mais duas descidas. Note-se que a descida de junho foi a primeira desde o ano de 2016.

E porque é que o Banco Central sobe e desce estas taxas? Entra aqui o segundo tema que tem um impacto substancial nas nossas vidas: a taxa de inflação. A decisão relativa às taxas de juro tem como objetivo primeiro o controlo da taxa de inflação. Em termos simples a ideia é que se subirmos as taxas de juro de referência, e consequentemente as de mercado, a economia pedirá menos dinheiro emprestado, terá mais restrições orçamentais, consumirá menos e poupará mais. Se assim for, a procura da economia vai diminuir levando a uma desaceleração do ritmo de crescimento dos preços (a taxa de inflação). O BCE tem como missão e objetivo primeiro atingir uma taxa de inflação de médio prazo de 2% e para o conseguir utiliza a política monetária que consiste em "mexer" nas taxas de juro.

A inflação elevada tem um impacto enorme no custo de vida. Adicionalmente, quando esta inflação atinge em primeiro lugar produtos essenciais - como os produtos alimentares ou energéticos, o que aconteceu em 2022 - este impacto é mais sentido pelas famílias de menor rendimento, onde este tipo de produtos pesa mais no orçamento. Ou seja, agrava as desigualdades.

Em Portugal, depois de anos de inflação muito baixa (chegando a atingir valores ligeiramente negativos), a inflação começou a subir em 2021, ano em que ultrapassou pela primeira vez os 2%. A subida continuou até outubro de 2022 onde atingiu um máximo dos últimos 30 anos, 10,6%.

Desde então, fruto de uma combinação de alguns fatores (dos quais a política monetária é um dos mais relevantes), a inflação tem vindo a descer. Espera-se que em 2024 a inflação média anual seja de 2,6% e que, em 2025, chegue aos 2%.

Foi, em grande medida, a monitorização atenta destas oscilações e a intervenção atempada dos Bancos Centrais que permitiu que a inflação tenha sido tão rapidamente controlada.

O terceiro exemplo que gostaria de vos dar é, talvez, menos evidente ou conhecido e está relacionado com a função de supervisor do BdP, nomeadamente na sua componente prudencial. Como o termo indica, o BdP supervisiona os Bancos para que haja prudência no sistema financeiro por forma a que este seja estável e robusto e para que possamos confiar no sistema Bancário. Esta confiança é fundamental, porque quase nenhuma decisão ou ação financeira que façamos é possível sem a intervenção dos Bancos.

O nosso salário é recebido numa conta bancária, a maioria dos pagamentos que fazemos é através da mobilização dessa conta, os créditos que pedimos são concedidos pelos Bancos, etc. Termos Bancos fortes e resilientes em que possamos confiar é absolutamente fundamental.

A vertente prudencial tem sobretudo duas áreas: a microprudencial e a macroprudencial.

Na supervisão microprudencial o BdP, em colaboração com o BCE, define um conjunto de critérios contabilísticos e financeiros que os Bancos, individualmente, têm de cumprir para garantir que são sólidos e que podem fazer face a momentos menos positivos. Tenta-se evitar assim, possíveis falências ou situações negativas como as que aconteceram na crise financeira de 2008, com consequências muito duras para todos e que se alastrou à Economia, traduzindo-se num período recessivo grave. Para além dos critérios mais quantitativos, a supervisão também verifica se os bancos têm uma boa equipa de gestão e boas práticas.

Aqui definem-se regras, legisla-se, monitoriza-se, inspeciona-se e se necessário impõe-se medidas corretivas e também sanções. Um aspeto muito positivo é que nesta vertente os nossos Bancos estão de muito boa saúde, comparando muitíssimo bem com os seus congéneres europeus.

Na vertente macroprudencial o BdP olha para os Bancos de forma mais agregada. Definem-se regras que visam garantir a estabilidade financeira do sistema como um todo. Por exemplo, recomenda-se que nos créditos à habitação a taxa de esforço (soma das prestações de crédito que o cliente paga a dividir pelo seu rendimento) não ultrapasse os 50%, ou que a maturidade média dos novos contratos não ultrapasse os 30 anos. Estas medidas, por um lado restringem em algumas circunstâncias o acesso ao crédito, por outro protegem os clientes de um sobre-endividamento e diminuem o risco de impactos para o sistema em situações de crise e de potencial incumprimento.

O último exemplo que vos queria deixar prende-se com outro tipo de supervisão: a supervisão comportamental. Aqui o foco é na relação das instituições financeiras com o cliente, connosco.

Nesta supervisão olhamos para os dois lados do sistema: a oferta e a procura.

Do lado da oferta olhamos para os Bancos e outras instituições financeiras (por exemplo os intermediários de crédito) que vendem produtos e serviços financeiros. Cabe-nos garantir que o fazem dentro das regras e leis, que são transparentes na informação que passam, que cumprem os critérios de publicidade e que oferecem alguns serviços mínimos que garantam a inclusão de todos no sistema bancário.

Do lado da procura olhamos para o cliente e para o seu conhecimento financeiro. Desde 2008 que o BdP tem preocupações e ações de literacia financeira. Queremos clientes bancários informados, conhecedores e exigentes. Que façam as perguntas certas às instituições, que façam as escolhas adequadas ao seu perfil (de risco, de idade, de profissão, etc.).

Trabalhamos nesta área com o Ministério da Educação, com o Instituto de Formação Profissional, com outros supervisores financeiros, só para citar alguns.

Queremos ajudar-vos a serem conhecedores, a perceberem o que é um juro simples e um juro composto, o que é a Euribor, o que é um spread, ou até o impacto que a inflação tem nas vossas vidas. Os jovens de hoje, vocês, vão ser (muitos já são) os clientes bancários de amanhã. Vão contrair empréstimos, vão aplicar poupanças e alguns até irão trabalhar no sistema financeiro.

O Banco de Portugal, em todas as fases das vossas vidas, está aqui, atento. A fazer política monetária, a supervisionar o sistema garantindo a sua estabilidade, a apostar na literacia financeira como política prioritária e a proteger os vossos direitos face ao sistema financeiro, protegendo assim, também, o próprio sistema. A fazer parte dos vosso dia-a-dia, mesmo que vocês não se apercebam.